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Mesmo tendo suportado as dificuldades que os tempos impuseram, Alberto Gonçalves de Menezes não perdeu o encantamento pela vida

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Mesmo tendo suportado as dificuldades que os tempos impuseram

É admirável a forma como nosso entrevistado da semana preserva o amor e o encantamento pela vida, mesmo depois de ter suportado as dificuldades impostas pela lida no campo, em um tempo em que o serviço braçal e as dificuldades de acesso se impunham de maneira soberana. Seu Alberto Gonçalves de Menezes, um machadinhense que dá exemplo pela leveza com que desfruta de sua vida.
“Nós sempre estávamos felizes. Nós vínhamos de noite da roça, cantando e assoviando. Íamos tomar banho na bica, de noite, no inverno ‘velho’. Comida tinha às ‘balocas’”, conta Alberto, aos risos, relembrando a alegria que pode desfrutar ao longo da vida juntamente com sua família. “Naquela época era sofrido, mas era divertido. Você era solto no mundo, hoje você é preso. Naquele tempo você era solto, podia andar por qualquer lugar que não tinha perigo nenhum”, complementa.
Durante toda a vida residiu na comunidade da Linha Bela Vista, somente mudou o local onde morou em alguns metros. A mudança ocorreu quando casou-se com a esposa Olivia Berton de Menezes.
Pouco tempo depois, com a morte do pai, passou a cuidar de uma parte das terras da família enquanto o irmão – por parte de mãe – permaneceu com ela trabalhando no local onde nasceu.
Uma das principais dificuldades enfrentadas na infância, de acordo com Alberto, foi para frequentar a escola. As séries não eram concluídas porque as professoras paravam de dar aula. “Nós tínhamos escola aqui, mas quando nós queríamos gostar, o professor ia embora. Então, estava perdido o ano. Em cinco anos eu não pude fazer o segundo livro bom”, conta Alberto.
O conhecimento em matemática, que estava deficiente, só pode ser aprofundado quando serviu ao Exército Brasileiro. “O comandante perguntou quem queria estudar e eu disse: ‘Eu quero estudar.’ Porque eu estava fraco de matemática. Ler, essas coisas, eu ia bem, mas na matemática eu estava atrasado”, relata.
O ensino no quartel, segundo Alberto, era muito eficiente. Um dos motivos para que fosse dessa forma era a disciplina que se impunha aos alunos. As professoras tinham praticamente a mesma idade dos estudantes, porém, era expressamente proibido, dentro da sala de aula, qualquer tipo de intenção que não fosse a do aprendizado. “Todo mundo respeitava essas professoras de uma forma incrível. Tinha colega meu que não conhecia a letra ‘o’ e saiu escrevendo cartas em noventa dias”, comenta. “Cada noite eu copiava uma tabuada, do um até o dez. Aí eu ia no quadro fazer qualquer conta”, relembra Alberto, sobre os métodos adotados para alcançar o aprendizado em matemática.
Durante o ano em que esteve servindo ao Exército, Seu Alberto retornou para a casa da família por quatro vezes, porém, não era a passeio. “Meu pai só tinha as duas meninas, então eu vinha trabalhar, não vinha passear. Eu vinha lavrar para eles. No inverno eu vim plantar trigo e depois no verão eu vim lavrar, para plantar milho, feijão”, declara.
A principal força de tração da época eram os bois, utilizados para arar a terra, assim como para transportar os produtos que saiam das propriedades. “Era tudo a pescoço de boi. E na foice, na enxada. Se era terra já preparada nós lavrávamos, e se era capoeirão nós derrubávamos com a foice. Daí deixava secar, queimava e plantava”, diz o machadinhense.
Em relação ao transporte dos produtos, Alberto aponta nesse aspecto uma das principais dificuldades da época. Os acessos eram muito restritos, tanto que, mesmo realizando o transporte com carroças, era necessário ir “abrindo picadas” no momento da passagem em direção às cidades ou aos moinhos onde os alimentos eram processados. “Os primeiros produtos que saíram dessa região foram nos lombos de burro ou de carroça. E mesmo assim, em muitos lugares tinha que ir fazendo as picadas”, relembra.
Ainda sobre as viagens até os moinhos, restam histórias interessantes. Como o serviço de moagem era demorado na maioria das vezes, o responsável por levar os produtos para processamento levava também material de pesca, para aproveitar melhor o tempo de espera. “Nós íamos com o cargueiro e levávamos moagem para três, quatro moradores, porque tinha que ficar o dia inteiro. Já levava um anzolzinho, deixava o cavalo pelo lado de cá, levava a moagem para lá com o bote e voltava pescar, até ficar pronta a moagem. Era assim”, comenta.
A vida sempre apresentou dificuldades, porém nunca faltou o pão na mesa da família. Para buscar o sustento da esposa e filhos, uma das atividades desenvolvidas era a doma de bois. Os animais eram adestrados e posteriormente vendidos. “Eu fazia junta de bois para vender. Vendia muito bem. Vinha gente de lá de Cacique Doble comprar os bois recém-domados”.
Ainda sobre a estrutura familiar, Alberto conta que foi muito feliz ao lado da falecida esposa, Olivia. Da união nasceram sete filhos, sendo que um não sobreviveu ao parto. O casal criou seis filhos, sendo desses, quatro homens e duas mulheres, que já lhe abençoaram com cinco netos. A esposa, Olivia, faleceu no ano em que o casal iria comemorar os 50 anos de matrimônio.
De acordo com Alberto, a criação dos filhos não trouxe nenhuma dificuldade. Para ele, o motivo que levou a ser dessa maneira é a retidão com que sempre conduziu a própria família. “É difícil (criar os filhos) se o pai é desnorteado. Se o cabeçalho de uma carroça é torto não vai direito. Como o cabeçalho é reto, a carroça também vai reta, vai para frente”, analisa, associando o alinhamento da carroça com a forma de orientar os filhos.
A vida na comunidade também sempre foi muito participativa. Quando teve oportunidade, Alberto contribuiu para a construção de obras que fazem parte até hoje do dia a dia da sociedade da Linha Bela Vista e até do município de Machadinho. “Eu sempre participei. Ajudei fazer essa igreja, ajudei fazer a do Machadinho, ajudei fazer o hospital. Para encerrar o hospital eu dei um porco. Participei de todas essas construções”, relembra.
Para que as obras pudessem ser realizadas, os moradores se organizavam em blocos para buscar doações, que eram comercializadas e revertiam em lucros, utilizados posteriormente para o pagamento dos profissionais da construção civil. Outra obra que contou com a colaboração de Alberto foi o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Machadinho.

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