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Professor Ervino José de Lima – exemplo de respeito e valorização por suas origens

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Professor Ervino José de Lima

Com uma consciência diferenciada sobre como as origens são importantes na vida de qualquer pessoa, o professor Ervino José de Lima relata um pouco de sua trajetória aos leitores do Jornal Folha da Club. A lembrança das origens esteve presente do início ao final da entrevista concedida ao repórter Alex Neuhaus, na última segunda-feira (03).
A primeira referência foi feita ao seu falecido pai, que veio de Bento Gonçalves ao lado de sua família no ano de 1912. A família ficou pelo caminho, em Cacique Doble, e o jovem de 17 anos seguiu para Machadinho abrir caminho para os demais. “O meu pai ficou um ano morando sozinho lá na Linha Polo. O maior trabalho dele era caçar, pescar e depois fazer uma casinha para trazer os pais que ficaram no Cacique (Doble).
“A dificuldade que o meu pai teve para sobreviver era muito grande”, relatou Ervino, referindo-se ao deslocamento necessário para adquirir itens básicos à sobrevivência. “O único comércio que tinha era em Marcelino Ramos. Ele tinha que caçar os animais e trocar a pele por sal”, disse. Com o advento da linha férrea, começaram a surgir comércios em cidades mais próximas, como Piratuba e Capinzal, facilitando também a vida do jovem desbravador.
As dificuldades não foram enfrentadas somente pelo pai. Ervino também precisou superar diversas barreiras para alcançar os objetivos que surgiriam com o passar do tempo. “Eu nasci na Linha Polo, de uma família muito pobre. Me criei numa cozinha de chão, sem recursos, porque não existia nem hospital aqui”, comentou. As curas para os problemas de saúde que surgiam eram encontradas nos remédios caseiros e benzimentos.
Algumas doenças não traziam tanta preocupação, outras delas, porém, demandavam de determinada dose de sorte e proteção divina para serem curadas. E justamente uma dessas acometeu Ervino quando tinha três anos de idade – o paratifo. “Naquela época não tinha recursos, então eu perdi as palmas das duas mãos, as solas dos dois pés e os cabelos. Fiquei com a cabeça que era uma bexiga. Eu caminhava de joelhos porque não podia caminhar de pé”, relatou. E continuou contando a história: “Um dia chegou um velho lá em casa – eu tava morto – e disse para o meu pai que tinha um remédio e ia dar para mim. Ele trouxe o remédio e eu me curei”, relembrou.
Nos primeiros dias de recuperação, Ervino não podia ingerir quase nada de comida. Seu estômago estava praticamente paralisado e se comesse poderia morrer instantaneamente. “Eu sou um sobrevivente. Eu tive sorte”, ponderou.
Com 18 anos de idade, Ervino foi para o quartel, onde pôde dar continuidade nos estudos que havia iniciado na Linha Polo. O início da vida escolar foi muito curto, dando apenas os primeiros passos na escola de sua comunidade. “Eu fui para o Exército semianalfabeto. Lá encontrei um amigo que arrumou caderno, lápis, essas coisas e me convidou para estudar com ele. Isso me ajudou um pouco”, revelou. O amigo morava na Linha Barro Amarelo e hoje é delegado aposentado na cidade de Passo Fundo.
Por mais que algumas barreiras impostas pela vida sejam incompreendidas num primeiro momento, o tempo acaba por apontar reflexos positivos em cada uma delas. De outra enfermidade que o acometeu, Ervino viu a possibilidade de ampliar seus estudos.
Quando voltou do Exército foi para a roça com o pai e uma de suas irmãs. O sol escaldante e o serviço pesado da malhação de feijão o fizeram contrair uma forte pneumonia, forçando-o a permanecer por um longo período sem novas exposições ao calor excessivo. “Por seis meses eu não podia ir para o sol. O médico disse que eu tive um foco de pneumonia e meu pulmão estava muito fraco. Não tinha nada para fazer em casa então comecei estudar”, relatou. Aproximadamente um ano e meio depois, teve a oportunidade de começar a lecionar na escola da Linha Polo. Ali iniciava a trajetória que o realizaria profissionalmente, exercendo a nobre profissão de professor.
A partir dali também foi possível aprofundar os conhecimentos, fazendo os primeiros cursos em Machadinho e posteriormente saindo dos limites municipais para ampliar a escolaridade. O ginásio foi feito à distância. As aulas eram feitas em casa e os exames em Marcelino Ramos. Depois disso matriculou-se no ensino de primeiro grau normal em Erechim, o que possibilitou que passasse a lecionar pelo Estado do Rio Grande do Sul. O ensino normal de segundo grau foi cursado em Lagoa Vermelha.
Faltava ainda o desafio de cursar uma faculdade. O ensino superior foi cursado em uma extensão da Universidade de Caxias do Sul, em Vacaria. “Aí eu passei a lecionar no nosso ginásio aqui, no segundo grau”, contou. No Colégio Castro Alves exerceu várias funções. “Eu fui secretário, fui professor, fui coordenador do colégio, depois passei a vice-diretor e numa certa época eu até assumi a direção desse colégio de Machadinho”, declarou.
O trabalho para proporcionar educação de qualidade aos alunos não era fácil. De acordo com Ervino, não havia amparo financeiro dos órgãos de governo. Para construir a infraestrutura das instituições de ensino era necessário o engajamento de toda a comunidade. O local onde hoje está instalado o ginásio de esportes do Colégio Castro Alves inicialmente abrigou uma cancha de esportes, sem cobertura, construída com o lucro obtido em bailes realizados nas comunidades do interior do município.
Outro desafio foi implantar o segundo grau (atual ensino médio) em Machadinho. “Para implantar o segundo grau precisava de um laboratório. Só que esse laboratório custava muito caro e não havia quem ajudasse. E sem o laboratório eles não despachavam o segundo grau para Machadinho”, relatou. A alternativa encontrada foi os próprios professores contribuírem com metade dos seus salários.
Em meados da década de 80, a família já residia na cidade de Machadinho quando aconteceu uma das maiores perdas da vida de Ervino – o falecimento da companheira e mãe de seus filhos, a também professora, Murian Piovesan de Lima. “Em mil, novecentos e oitenta (1980) a minha esposa começou ficar doente, e doente. Em oitenta e dois (1982) ela faleceu. E eu fiquei com nossos quatro filhos”, disse.
Nessa hora os amigos foram determinantes para a reorganização da vida de Ervino. “A pessoa quando perde a esposa, fica perdida, ainda mais com filhos pequenos. Foi o que me aconteceu. Mas aí meus colegas me ajudaram muito, no sentido de fazer com que eu conseguisse reassumir as minhas coisas. Isso foi muito importante”, ressaltou.
Aos poucos a vida foi tomando um rumo novamente. Alguns anos mais tarde casou-se novamente, desta vez com a companheira com a qual divide seus dias até hoje, Dona Beloni Casagrande de Lima. “A gente trabalhava juntos e resolvemos casar. A Beloni foi uma pessoa muito especial para mim”, comentou.
Com relação à educação dos filhos, o acesso à escola foi tido como primordial em todos os momentos. Quando foram completando o ensino médio, Ervino alugou um apartamento em Porto Alegre e os direcionou para lá a fim de que pudessem cursar a faculdade que cada um escolheu.
Hoje, a família formada com filhos que seguiram pelo melhor caminho revela a maior das satisfações do machadinhense. “Eu tenho orgulho da minha família. De vez em quando eu paro para pensar, porque mesmo com toda a pobreza que enfrentei consegui formar uma família como eu tenho hoje”, citando que entre seus filhos, genros e netos têm vários advogados, mas nenhum dos seus admite “colocar a mão” em algo que não seja deles. Além dos quatro filhos, a família também é formada por nove netos e três bisnetos.
Para essa família, Ervino faz questão de repassar informações sobre as origens, para que sempre saibam de onde vieram. “Eu gravei um CD – para dar um para cada filho – sobre a minha família, os meus pais, o modo como me criei. E também sobre os costumes do povo”, afirmou. O CD contém – com interpretação do próprio Ervino – músicas que relatam a história da família Lima, do município de Machadinho e também narra um baile de rancho, como eram chamados antigamente.
Em parceria com o amigo e ex-diretor do Colégio Castro Alves, professor Ubiratã, também escreveu um livro sobre a história de Machadinho: Um Pouco de Nossa História. “Eu fiquei sem esse livro, mas tem na biblioteca. Tem esse livro lá, do Ervino e do Ubiratã”, concluiu.

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