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Estudo publicado na Revista NIPEAS reconstrói mais de um século de sepultamentos, violência, tropeadas e memória no misterioso campo santo circular às margens da SC-390.
Um estudo lançado pela Revista NIPEAS reuniu, pela primeira vez, documentos históricos, entrevistas e relatos orais para explicar a origem e a trajetória do Cemitério Redondo, um dos espaços funerários mais antigos e enigmáticos do interior de Santa Catarina. Localizado em Linha Serraria, na área rural de Piratuba, o cemitério chama a atenção pelo formato circular em pedras basálticas e por abrigar narrativas que atravessam gerações.
O artigo de autoria do pesquisador Ernoi Luiz Matielo e do professor Humberto José da Rocha, investiga o perÃodo entre 1887 e 2007, revelando como o local se tornou ponto de sepultamento de tropeiros, viajantes e moradores que circularam pelos antigos caminhos das matas, em uma época marcada por violência, disputas territoriais e isolamento.
De acordo com a pesquisa, o Cemitério Redondo foi criado em uma encruzilhada usada como rota de acesso entre Marcelino Ramos – RS e Campos Novos – SC e para a área onde mais tarde surgiria Piratuba. Por esse motivo, passou a receber corpos de pessoas que morriam durante as longas viagens pela região.
A principal fonte sobre os primeiros anos do espaço é Salete Ribeiro, descendente das famÃlias que sepultaram grande parte dos mortos no local. Em depoimento registrado em 2007, ela relatou que os primeiros enterramentos ocorreram por volta de 1887, envolvendo vÃtimas de crimes de tocaia, comuns nos sertões, tropeiros mortos por acidentes ou ataques de animais e viajantes que não suportaram à exaustão após dias de deslocamento.
As sepulturas eram inicialmente demarcadas com cercas simples de pau-a-pique, usadas para evitar que o gado invadisse o espaço. O estudo mostra que o cemitério reflete o clima de insegurança que caracterizou o Vale do Rio do Peixe no inÃcio do século XX.
Entre os enterramentos identificados estão casos como o assassinato de Crecencio Vieira, em 1965, e a morte acidental do jovem João Ribeiro, em 1951. Há também relatos de sepultamentos simultâneos, como o de Juvelino dos Santos e Luiz VerÃssimo, mortos no mesmo dia: um pela violência, outro ao receber a notÃcia.
O cemitério também guarda histórias marcadas pelo imaginário regional. Uma delas é a da cruz de cedro colocada no túmulo de uma criança da famÃlia Teodoro da Silva. Segundo os moradores, a cruz teria criado raÃzes e se transformado em árvore, permanecendo no centro do cemitério por décadas.
O fenômeno é mencionado em livros locais e tem paralelos com práticas Kaingang e com tradições relacionadas aos monges do Contestado, como explica o estudo. A árvore-sÃmbolo, no entanto, foi destruÃda em um incêndio após um ato de vandalismo em 2005.
Entre 2005 e 2007, o Cemitério Redondo voltou ao noticiário regional após ser alvo de episódios de profanação. Em uma das ocorrências, moradores encontraram vÃsceras de animais, cabeças de cabras e restos sacrificados sobre as sepulturas. Velas usadas em rituais provocaram o incêndio que destruiu a árvore histórica.
Dois anos depois, a sepultura de Luiz Ribeiro foi violada, deixando restos mortais expostos. A PolÃcia Civil abriu inquérito, mas não localizou os responsáveis.
De abandono a atrativo turÃstico
A revitalização do espaço começou em 1996, quando um inventário turÃstico municipal incluiu o cemitério entre os potenciais pontos de interesse de Linha Serraria. Moradores, estudantes, o SEBRAE e a EPAGRI participaram do processo de recuperação.
O muro circular de pedras, que hoje caracteriza o local, foi levantado por um morador experiente na técnica de taipa. Cruz central, ramos antigos e elementos originais foram preservados. Atualmente, o Cemitério Redondo integra a Rota do Engenho, roteiro de turismo rural de Piratuba.
Marco da colonização cabocla
O estudo conclui que o Cemitério Redondo é um dos mais importantes testemunhos da colonização cabocla no Vale do Rio do Peixe. Segundo os autores, o campo santo marca a transição entre: a presença indÃgena Kaingang e Xokléng, a ocupação caboclo-luso-brasileira ligada ao tropeirismo, e a chegada posterior dos imigrantes europeus com a expansão ferroviária.
O artigo defende que o local deve ser reconhecido como patrimônio histórico-cultural por preservar uma memória coletiva que, por muito tempo, ficou à margem dos registros oficiais.